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5.21.2010

Último sortilégio



Estava ali, estirada no chão, a beira da morte. Seu corpo se desfazia em pó, um pó brilhante, parecia diamante. Sua imagem estava clareando, logo ela não pertenceria a esse mundo. Esse mundo. A menina parecia se desfazer com ela, de tanta tristeza. Talvez, de tanto chorar, se juntaria a ela. O desespero de perdê-la fazia a criança esquecer tudo que estava acontecendo, a tristeza profunda era refletida em seu rosto.
Olhou para a mulher, já sabia o que fazer. Sabia das conseqüências. Em sua mente, uma lembrança: certa vez, em seu treinamento, seu mestre ensinou-lhe a arte da transferência de energia. Não uma energia qualquer. A energia vital. E vendo ali, àquela se desfazendo, sua criança chorando pedindo ajuda, decidiu fazer.
Pegou as duas adagas de sua cintura. “Afaste-se”, disse à garota em prantos. Ficou em pé, sobre a mulher, seus pés afastados para não encostá-la. Cruzou as mãos, e com um rápido gesto, cortou os punhos. Ainda com a mão cruzada, o sangue a escorrer pelas adagas, orientadas para baixo, começou o sortilégio. Palavras saíam de sua boca, mas ninguém conseguia entender o significado. Após um pouco de sangue derramado, um círculo branco, brilhante, apareceu em volta dos dois. Era um símbolo, não, o símbolo do mago. Fechou os olhos. Sabia o que aconteceria em diante. Continuou o sortilégio.
A escuridão começou a tomar conta de seu corpo. Cada parte ficava negra, mas não com cor, mas a ausência dela. Havia somente uma presença negra no espaço delimitado pelo seu corpo. Mas seus olhos não, estavam abertos. Seus olhos brilhavam em meio à escuridão. Não, não eram olhos, eram duas luzes no lugar de olhos.
Um vento começou a rodeá-los. O sangue não parava de escorrer. As adagas cruzadas, vermelhas. O círculo agora era vermelho vivo, fora preenchido com seu sangue.
De repente, um suspiro, ou melhor, uma respiração ofegante, de quem acabara de sair debaixo d’água e ficou muito tempo sem respirar. O brilho do pó já não existia. Seus olhos abriram. Seu corpo voltou a tonalidade normal. Continuava a fazer parte desse mundo. A mulher então olhou para cima e o viu. O corpo dele, agora totalmente visível e pálido, tombava lentamente para trás. Até ser ouvido um baque no solo, havia caído. Os olhos fechados, as adagas cruzadas ao peito. A criança parara de chorar, ao ver a irmã mais velha salva. E ele ficou ali, até esvair-se completamente desse mundo, após realizar seu último sortilégio: o Auto-Sacrifício.

Douglas Mateus